terça-feira, 23 de março de 2010

Matando Missionários

Arte: Flamir Ambrósio


A noticia triste chegou às igrejas provocando surpresa e alguma revolta. A família missionária inteira tinha se perdido. Mortos sem apelação, em pleno campo de atividade.  Depois de anos de trabalho árduo e dedicado, morriam para a obra sem deixar sucessores. Logo surgiram várias vozes reclamando de tal situação. Como aceitar a eliminação de uma família tão valiosa? Como substituí-los depois de tão grande perda? Como encontrar os culpados? As respostas eram poucas. Só o que se sabia e era fato consumado é que alguém tinha matado os missionários...

Este episódio não se refere a nenhuma família missionária particular e ao mesmo tempo a várias. Não estou falando de nenhum atentado perpetrado por um fanático religioso. Tampouco falo da morte física de missionários no campo. Estou falando da perda de obreiros para a obra. De famílias inteiras que seguiram um dia para o campo, cheios de expectativas e por vários motivos foram na prática, mortos no trabalho. Falo de obreiros que voltam ao seu país de origem para desaparecer da história de missões e por vezes até da vida das igrejas. Alguém está matando missionários...

Quem está matando os missionários? Os culpados são membros de igrejas, alguns são até líderes em suas denominações. São igrejas e crentes que matam missionários por suas atitudes, desinteresse e falta de amor cristão. Eis algumas das armas usadas em tais assassinatos:

1) Sustento Inadequado ou Atrasado

A Bíblia é clara, desde o Antigo Testamento, ao falar da honra devida aos obreiros e de seu salário correto. Os sacerdotes tinham sido protegidos com leis que lhes permitissem uma vida condigna já que se dedicavam á obra do Senhor. No Novo Testamento novamente há várias menções disso. A Igreja devia cuidar de seus pastores e missionários. Apesar disso ainda há hoje na igreja aqueles que desprezam o trabalho no ministério e que entendem que pastor e missionário tem mesmo é que ser pobre e passar necessidade.

Se um missionário chegar a uma igreja vestindo uma roupa melhor é escândalo. Onde já se viu um obreiro bem vestido? Como é que seus filhos têm tênis de marca? Obreiros têm que aparecer com roupa usada, gasta, remendada talvez, mas limpinha. Essa mentalidade mata missionários!

Muitos obreiros têm sofrido porque suas igrejas não levantam um sustento condigno. Gostam de dizer que o missionário deve viver pela fé. Mas o que a palavra diz é que o justo viverá da fé. Não é só o missionário. O estimado irmão que despreza o ministério também quer ser chamado de justo? Então também deve viver da fé.

O missionário pode viver com salário abaixo do mínimo, pode se sustentar como der, pode criar os filhos em condições difíceis, pode receber o salário sempre atrasado.  Essa atitude mata missionários porque lhes tira as condições de concentração no trabalho. Você conseguiria se dedicar ao seu trabalho se tivesse dúvida sobre se a família vai ou não comer no fim de semana? Já ouvi muita gente criticar pastores e missionários por perderem os filhos para o mundo. Estou certo de que esses líderes terão suas responsabilidades. Mas não esqueçamos que em muitos desses casos esses filhos se perderam porque igrejas e crentes mesquinhos não deram sustento condigno aos obreiros levando a que seus filhos crescessem revoltados. Estão matando missionários...

Hoje há muita preocupação quanto à aposentadoria. Quem tem possibilidade faz uma aposentadoria privada para segurar o futuro. Mas ainda existem obreiros, pastores e missionários que nem a aposentadoria normal tem. Conhecemos muitos casos de servos de Deus que, por culpa de suas igrejas, vivem hoje em grande aperto, numa velhice dificultada por falta de visão e amor cristão. Estão matando missionários!

Já vi com meus olhos a atitude de muitos na hora de dar um presente ao missionário. Roupa usada, sabonete de terceira qualidade e pasta de dente de marca desconhecida. E ainda acham que estão fazendo muito! E ainda acham que o missionário deveria ficar muito feliz!?  Esse tipo de mentalidade está realmente matando missionários!

2) Exigência Inadequada de Resultados

Se há uma coisa que mata é a comparação injusta. Desde sempre que aprendemos a cobrar resultados humanos de um trabalho que é Divino, resultados materiais de um trabalho que é espiritual. Comparamos missionários, pelos resultados em termos de batismo, convertidos, número de membros de suas igrejas, trabalhos novos implantados. Há relatórios que são exigidos e que se baseiam unicamente em números. Isso tem matado muitos missionários.

Precisamos entender que cada campo é uma realidade própria. Cada obreiro tem seu perfil e temperamento. Comparar um obreiro que trabalha com povos animistas já devidamente evangelizados com outro que faz trabalho pioneiro entre muçulmanos é forçar uma situação não apenas injusta, mas irracional. Há campos que estão maduros em termos de evangelização e outros onde ainda se estão tirando pedras.

Durante décadas houve trabalho missionário na região leste da Guiné-Bissau, com resultado aparentemente nulo. Os povos muçulmanos ali não se convertiam. As missionárias que ali ministravam davam testemunho exemplar e choravam diante do trono de Deus por almas. Mas nada viram... Quando chegamos lá e pudemos ter a alegria de plantar uma igreja em apenas 5 anos, não foi porque fossemos melhores, mas porque um trabalho fundamental fora feito. Paulo plantou, Apolo regou e Deus deu o crescimento (I Coríntios 3:6).

Boa parte do trabalho espiritual de um missionário e pastor passam por coisas que não têm medida, como a oração, o jejum, meditação na palavra, testemunho de vida e de família. Devemos aprender a respeitar os servos fiéis que pagam o preço da perseverança para ver alguns resultados. Paulo plantou muitas igrejas, mas em Atenas a hora não era chegada e alí ele não deixou igreja e teve aparentemente pouco sucesso. Vamos deixar de lado as comparações, as exigências inadequadas. Há que avaliar os obreiros sim, mas isso requer mais que números em um formulário. Pelo bem dos campos e da obra deixemos de comparações, deixemos de matar missionários.

3) Férias Exaustivas

Todo mundo gosta de férias. Durante as quais descansamos, nos distraímos, conhecemos outras realidades ou simplesmente fazemos aquilo que mais gostamos além de dormir mais que o habitual. Todo mundo sonha com as férias. O missionário por outro lado sonha com o fim das férias!!  Conheci mesmo missionários que ficavam em verdadeira crise de nervos quando as férias se aproximavam.

Férias para o missionário é sinônimo de trabalho dobrado, viagens desgastantes, noites mal dormidas, inquéritos intermináveis e separação familiar. Os missionários são, em regra, submetidos a um programa inclemente de promoção missionária em que viajam para lugares desconhecidos, ficam em casas de pessoas desconhecidas para falar em igrejas que muitas vezes nada sabem deles e onde alguns pastores nem estão muito interessados num missionário que poderá desviar as ofertas que ele precisa para a construção do novo templo.

Posso parecer um pouco cáustico nessa descrição, mas acredite, sei de primeira mão do que estou falando. Tive muitas férias assim... É verdade que encontramos famílias maravilhosas e casas que nos recebem como príncipes. É verdade que há igrejas interessadas e pastores que amam a obra. Mas é verdade também que nas férias o missionário fica longe da família, dorme cada noite num lugar diferente e enfrenta auditórios diferentes seguidas vezes, para falar sempre a mesma coisa. No fim, está esgotado e aí é hora de voltar ao campo e trabalhar duro, pois afinal acabou de ter seu tempo de férias... Depois de alguns anos deste regime ainda se admiram com a afirmação que estão matando missionários.

Soluções:

Não quero terminar esta reflexão com nota negativa. Podemos e devemos salvar nossos missionários dessas armas de exterminação de obreiros. Nem será assim tão difícil.

De que precisamos para mudar esta triste realidade?

»1º de salários dignos desse nome, que permita aos missionários se concentrarem na obra em vez de no sustento, que cheguem a tempo e horas e que se façam acompanhar de algum incentivo ocasional;

» 2º de avaliações mais condizentes com a missiologia, que deixem de lado comparações numéricas, respeitando a realidade de cada missionário e mais baseadas em vida e testemunho que em estatísticas;

» 3º de férias de verdade, onde o obreiro tem tempo com a família para descansar, relaxar e recarregar as baterias. Que a promoção fique para outra época, dentro do tempo de trabalho do obreiro porque é na verdade trabalho e do pesado.

Que estas idéias possam auxiliar nossas igrejas, obreiros e líderes a rever certos conceitos porque na verdade está na hora de parar de matar missionários.


: Dr. Joed Venturini Sintra, Massamá, Portugal, Médico, Mestre em Missiologia, Escritor e Conferencista