quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Simplesmente Cris: Atendendo um chamado

Simplesmente Cris: Atendendo um chamado: Entrevista com minha amiga missionária Haja Hope Minha querida J. M. A. serve em missões há 17 anos. Sempre ouvi pessoas falando sob...

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Fraternidade ( ou um novo ensaio sobre a cegueira)




Só agora compreendo
Como é fácil apregoar,
Num tom de estridente humildade,
Faceira comiseração,
Ramificada verdade,
Encenada doação,
A palavra FRATERNIDADE.

Para começar,
E dar um tom plangente,
Um quadro comovente,
Afoga-se a palavra
Em pretextos de amor e compaixão,
Sofrimento a sofrimento,
Lágrima a lágrima,
Consciência a consciência,
Hasteando afecto sazonado
Num bizarro comércio de emoção.

Depois, a receita é fácil.
Abrem-se as cortinas ao mundo,
Apresenta-se a farsa habitual
Da caridade pomposa, volátil,
Ungida em rituais de esquiva intenção,
E só resta aguardar,
Num tom solene de ocasião,
Que aplaudam o abnegado gesto
Com lustrosa veneração.

Em seguida,
Quando até o Universo queda
Mudo, comovido,
O Homem,
Num gesto enfeitado
De acomodada humanidade,
Embrulha a fraternidade,
Devagarinho, bem de mansinho,
Para si, lançando-a, quando convém,
Com inexorável alheamento,
No limbo do esquecimento.

A.R

--
"O homem que não está disposto a morrer por uma causa não é digno de viver".
Martin Luther King

Missª Haja Hope

sábado, 19 de março de 2011

A NOVA CRISE VOCACIONAL DA IGREJA BRASILEIRA







Até os anos 90, a igreja evangélica brasileira “ensaiou” um avivamento missionário. O tema das missões tornou-se um assunto em pauta no Brasil, e por aproximadamente duas décadas muitos missionários foram despertados de todas as regiões do país para todos os limites do mundo. Líderes brasileiros de missões passaram a configurar globalmente entre os mais influentes pensadores da área; agências missionárias verdadeiramente brasileiras começaram a emergir; as denominações históricas e até mesmo as mais novas começaram a despertar suas igrejas locais, e o resultado foi estrondoso: o Brasil tornou-se indubitavelmente um dos três maiores celeiros missionários do mundo.

Hoje, porém, é evidente que há uma “baixa” no despertamento missionário. Tenho percorrido organizações missionárias e percebo que elas já não recrutam obreiros com a mesma facilidade que tinham alguns anos atrás. As conferências missionárias ainda acontecem, mas são mais escassas e já não contam com super produções. Isso pode ser positivo por um lado, visto que o modismo missionário está acabando. Mas estamos colhendo um fruto amargo: a igreja brasileira vive uma crise vocacional.

Quando falo em crise vocacional, eu sequer estou focando na qualidade dos vocacionados. Me preocupo, a priori, é com a quantidade mesmo. Os seminários teológicos multiplicaram seus cursos noturnos, justamente para adequar a demanda de alunos que não abdicariam de suas outras atividades para se preparar ministerialmente. Este é o perfil do novo mercado das escolas de teologia. Os institutos bíblicos já não são uma realidade forte nos centros urbanos, e as organizações de treinamento missionário também têm tido dificuldades para levantar candidatos. Somente em 2010, até agora, três compromissos foram cancelados em minha agenda por escolas missionárias que suspenderam seus programas, alegando a falta de alunos.

O que teria provocado essa crise vocacional? Por que nossos jovens não são mais “chamados” como antigamente? Foi Deus quem parou de chamar ou foi a igreja que parou de atender? Não tenho todas as respostas, mas seguem alguns pensamentos.

1. A “Missiologização” da Tarefa Cristã Cotidiana

Eu creio que todo cristão é chamado. A Bíblia diz com clareza que Cristo nos reconciliou para que nós sejamos portadores da mensagem da reconciliação (2 Coríntios 5:18-20). Todo estudante deve ser missionário no contexto acadêmico, todo profissional é pregador no trabalho, e assim por diante. Mas o chamado ministerial específico é uma realidade bíblica incontestável.

Acontece, porém, que o discurso da igreja brasileira tem tomado um formato exclusivamente local no que tange à sua missão. O primeiro fator que tenho identificado como o causador da nova crise vocacional brasileira é que a igreja tem t em atribuído à proclamação cristã cotidiana um peso missiológico que substitui o envio missionário. “Somos chamados para fazer missões aqui, no nosso contexto, e essa é a única e verdadeira missão”.

A proposta deveria ser mais equilibrada, deveríamos fazer essa sem omitir aquelas (Mt. 23:23). Missões locais são incompletas sem a perspectiva transcultural, e vice-versa. Ministros bivocacionais são importantes, mas não eliminam a necessidade dos ministros em tempo integral no Reino. Na maioria dos encontros missionários que tenho participado, tenho visto temas como: “Eu, missionário onde estou”. Precisamos desse enfoque, sem dúvida. Mas precisamos ainda de missionários que saiam de onde estão e se dediquem integralmente a cumprir este chamado em lugares onde ninguém está. A perspectiva vocacional missionária transcultural não pode morrer.

Quanto à tarefa local, essa é para todo cristão. Não é preciso ir a um seminário, nem ter ouvido nada específico num “culto da fogueira”. Se somos cristãos, somos responsáveis pela proclamação do evangelho de Cristo. A vocação missionária específica continuará acontecendo, para alguns, que irão enviados pela igreja vocacionada.

2. Escassez de modelos positivos, contagiantes e desafiadores

Fui missionário na China, e meu chamado se deu em etapas. Primeiro, um grande ardor missionário começou a brotar em meu coração quando eu estudava no seminário teológico. Eu tinha ido ao seminário para ser pastor – na verdade, era o único formato de ministério integral que eu conhecia. Através de uma viagem missionária de curto prazo, vi que eu tinha uma vocação missionária transcultural.

A partir disso, Deus continuou a falar comigo das mais diversas formas. As histórias da igreja sofredora começaram a inundar meu coração, e fui percebendo que Deus estava me direcionando para apoiar esses irmãos que sofrem perseguição e pobreza, muitas vezes por causa de sua fé. Mas o interessante nisso tudo é que Deus usou homens: alguns missionários-modelo foram o “isqueiro” que Deus usou para acender a chama em meu coração.

No caso específico da China, meu vínculo foi com Hudson Taylor, um dos mais influentes obreiros da história das missões modernas, e Jorge Vendramini, um amigo pessoal, brasileiro, que vive na China há 20 anos. Portanto, um passado, outro presente; um morto, outro vivo. Suas histórias, sua paixão, seu envolvimento com a igreja chinesa, tudo isso foi somando no meu coração o desejo de viver e morrer por essa causa.

Pela graça de Deus, vi jovens se despertarem para missões através de exemplos humanos. Por graça maior, vi o meu próprio exemplo servir de inspiração para alguns. O problema é que essa inspiração também tem sido escassa.

Por um lado, a inspiração não ocorre por culpa da própria igreja. O modismo missionário foi acabando, de forma que os obreiros transculturais já não são vistos como versões cristãs do Indiana Jones. Já é comum demais dizer que um missionário foi preso por conta do evangelho, que alguém traduziu a bíblia para outra língua, ou que alguma irmã abdicou da vida urbana para viver entre os índios. As histórias caíram na monotonia, e a igreja, que valorizava mais o heroísmo que a essência ministerial da missão, tem visto que nada mais comove seus membros.

Por outro lado, e sendo propositadamente genérico, há casos em que os missionários têm uma parcela de culpa, e aqui me refiro aos relatórios e à comunicação. Tenho visto depoimentos missionários que não inspirariam ninguém a querer ser missionário. Alguns falam tanto em tragédia, em privações, em limitações e em sofrimento que acabam por fazer o marketing negativo acerca da vocação. Já vi jovens dizerem que têm uma vida incompleta na igreja, pois sabem que deveriam estar no campo missionário mas não foram por medo de passar fome. Pois é isso que ouviram.

É árduo o trabalho missionário. É preciso tomar a cruz para seguir esse caminho. No entanto, narrar tragédia após tragédia não glorifica a Deus, nem descreve em absoluto o que acontece no campo missionário. Para falar da China por exemplo, eu tenho a opção dizer que a igreja chinesa sofre perseguição, e mencionar exaustivamente a história de pastores chineses que vi sendo presos e separados da família. Muitos poderiam se comover, mas poucos iriam querer se envolver com isso. Por outro lado, eu posso focar em outra verdade, tão verdadeira quanto a primeira e que enleva muito mais a glória de Cristo: a igreja chinesa é a mais crescente igreja do mundo, e os cristãos chineses são missionários extremamente comprometidos que têm servido a Deus como verdadeiros guerreiros! Vejo que isso encoraja mais que o foco no sofrimento.

3. Decepção com os rumos e prioridades da igreja

A igreja brasileira vive um combinado de crises. Há uma crise de identidade, pois antigos conceitos outrora simples, como “evangélico” e “protestante” têm ficado cada vez mais difíceis de discernir e mensurar. Não se sabe quem é quem. Há uma crise de integridade, uma vez que a maioria dos problemas da igreja brasileira têm sua raiz no dinheiro e em outros elementos que afetam diretamente a moralidade. E há uma crise de interesses, intenções e prioridades.

Hoje, não é fácil afirmar quais são as igrejas e denominações efetivamente envolvidas com a obra missionária, mesmo porque “qualquer coisa” poderia ser igreja e “qualquer coisa” poderia ser obra missionária. O problema é que, em geral, nem os membros das igrejas sabem até que ponto suas igrejas sonham e investem em missões.

Uma conversa recente revelou isso. Uma jovem me disse que queria ser missionária. Eu perguntei se ela tinha apresentado sua intenção ao seu pastor. Ela me falou que não, pois seu pastor não tinha visão missionária e não investiria em seu chamado. Por conta disso ela optara por se calar.

Eu me surpreendi. A igreja dela contribui fielmente com nosso projeto no Haiti, e o pastor dela sempre se mostrou alguém com o coração missionário. Eu a encorajei a conversar com ele, e ela afirmou que não sabia desse envolvimento missionário. Ela julgara pelo discurso que ouve. No fim, ela arrematou dizendo que não percebe as igrejas de hoje em dia preocupadas com isso, e achou que sua própria igreja estava dentro do padrão.

Há uma falha de comunicação da parte da jovem, disso não tenho dúvida. Mas a noção que ela tem da igreja brasileira, equivocada em seu caso específico, não deixa de fazer sentido. A missão da igreja tem sido outra, em linhas gerais. Esses rumos do evangelicalismo nacional acabam não fornecendo as garantias vocacionais que a juventude precisaria para abraçar o chamado. É complicado vislumbrar que alguém se envolva num projeto dessa dimensão sem o respaldo espiritual, emocional e econômico da igreja. E no caso de muitas igrejas, a moça teria razão.

4. Ausência de uma teologia prática de missão nos púlpitos

Todas essas razões anteriormente apresentadas estão vinculadas à teologia missionária que tem sido apresentada nas igrejas. Missões tornou-se, em muitos casos, um tema filosófico, pouco prático. Curioso que hoje em dia é possível participar de um fórum de Missão Integral e sair de lá sem qualquer pressuposto prático ou aplicável para fazer missão integral em alguma comunidade do mundo real. Outra vez, minha afirmação aqui consiste numa generalização.

Mas noto que o discurso missionário não tem sido eficaz no despertamento missionário. Um dos motivos para tanto é que a pregação missionária não oferece caminhos práticos para a preparação e o envio. As conferências missionárias são eficazes para despertar contribuição missionária, mas já não oferecem alternativas vocacionais.

Seria igualmente frágil uma perspectiva vocacional que partisse de um discurso somente prático, sem fundamentação teológica ou missiológica plausível e biblicamente atestável. Com esse tipo de proposta, talvez seja possível mobilizar voluntários, mas não despertar missionários. No entanto, o despertamento também exige que se apresente a realidade do desafio, os passos e custos práticos, o treinamento apropriado, entre outros. Precisamos apresentar a demanda missionária como uma alternativa real de serviço.

Conclusões e Aplicações

Seria cinismo avaliar a condição vocacional da igreja de forma crítica, como feito acima, sem oferecer pensamentos práticos que possam acender luzes positivas. Na verdade, como já foi dito, não possuo todas as respostas. Mas há valores que poderiam ser transformados no pensamento missiológico da igreja.

Creio que a intenção de Deus seja ainda de utilizar-se de pessoas como nós, em nossa fragilidade e limitação, chamando-nos para anunciar as novas do Reino. Alguns passos práticos poderiam ser efetuados, principalmente em se tratando de algumas alterações em nosso discurso missiológico.

Primeiro, creio que precisamos falar de missões de forma mais próxima à realidade da igreja local. Os irmãos que freqüentam a igreja têm que ouvir falar em missões de maneira acessível, tangível às suas realidades. As estatísticas e as tendências do mundo missionário podem ser instrumentais na comunicação para o despertamento missionário. Mas, por si só, tais recursos não são suficientes. É preciso que o indivíduo saia da igreja sabendo como pode preparar-se, envolver-se, contribuir e orar diretamente. A igreja precisa identificar oportunidades plausíveis: assim como se anuncia uma necessidade imediata da igreja local, como vagas para professores de ministério infantil ou operadores de som, as oportunidades missionárias devem ser listadas com clareza. E a igreja sempre terá oportunidades vocacionais viáveis, se a obra missionária for sua prioridade.

Um outro aspecto importante a ser pensado é a necessidade de equilibrarmos as oportunidades de cumprimento da grande comissão. A igreja precisa ter oportunidades de servir em Jerusalém, Judéia, Samaria e confins da Terra (At. 1:8). Uma estratégia ainda válida é o uso de viagens missionárias de curto prazo. Essa prática tem sido criticada por uma linha missiológica que questiona a efetividade de um ministério curto no campo. Em termos de efetividade, talvez tenham razão os críticos. Em termos vocacionais, porém, eu fui chamado para o ministério missionário a longo prazo após uma viagem missionária. Já vi este movimento na vida de muitas pessoas.

Em minha experiência como pastor local, é possível viabilizar na igreja grandes projetos de impacto em locais mais próximos, envolvendo várias pessoas, como “Dia da Cidadania” e outros projetos. Nessas empreitadas, universitários da igreja, bem como profissionais liberais, se envolvem em missões e muitas vezes enredam num caminho ministerial sem volta!

Num contexto de média distância, temos enviado equipes de tamanho médio ou pequeno. Vários jovens e profissionais da igreja já tiveram experiências no sertão do nordeste, por exemplo, através do Projeto Água Viva, um dos ministérios missionários vinculados á nossa comunidade.

Por último, várias pessoas da igreja também se envolvem em missões transculturais. Através da Missão em Apoio à Igreja Sofredora, muitos irmãos já viajaram ao Haiti, e em alguns casos temos visto vocações missionárias começarem a emergir. O contexto do Haiti mudou em função de uma viagem que um jovem fez por uma semana? Provavelmente, não muito. Mas uma vocação missionária longa e frutífera pode estar surgindo.

Meu encorajamento aos pastores e líderes da igreja nacional é que configuremos um discurso missionário que efetivamente levante obreiros para a grande Seara. Nós temos uma responsabilidade crucial nesse processo, e podemos sanar essa crise vocacional. Que Deus nos ajude nesse caminho!

Por Mário Freitas

sábado, 8 de janeiro de 2011

AINDA SOU DO TEMPO...


Ainda sou do tempo em que ser crente era motivo de críticas e perseguições. Nós não éramos muitos, e geralmente éramos considerados ignorantes, analfabetos, massa de manobra ou gente de segunda categoria. Os colegas da escola nos marginalizavam. Os patrões zombavam de nós. A sociedade criticava um povo que cria num Deus moral, ético, decente, que fazia de seus seguidores pessoas diferentes, amorosas, verdadeiras e puras. Não era fácil. Mas nós sobrevivemos e vencemos. Sinto falta daquela perseguição, pois ela denunciava que a nossa luz era de qualidade, e ofuscava a visão conturbada de quem não era liberto. E, por causa dessa luz, muitos incrédulos foram conduzidos ao arrependimento e à salvação. Mas hoje é diferente.



Ainda sou do tempo em que os crentes não tinham imagens em suas casas, em seus carros ou como adereços de seus corpos. Nós não tatuávamos os nossos corpos e nem colocávamos "piercings" em nossa pele. Críamos que os nossos corpos eram sacrifícios ao Senhor, e que não nos era lícito maculá-los com os sinais de um mundo decadente, um deus mundano e uma cultura corrompida. Dizíamos que tatuar o corpo era pecado. Não tínhamos objetos de culto em nossas igrejas. Aliás, esse era um de nossos diferenciais: nós éramos aqueles que não admitiam imagens em lugar algum. Mas hoje é diferente.



Ainda sou do tempo em que pornografia era pecado. Nós não considerávamos fotos eróticas ou filmes pornô um "trabalho profissional", mas uma prostituição do próprio corpo e uma corrupção moral. Ao nos convertermos, convertíamos também os nossos olhos, e abandonávamos as revistas pornográficas, os cinemas de prostituição e os teatros corrompidos. Os que eram adúlteros se arrependiam e pagavam o preço do que fizeram, e começavam vida nova. Os promíscuos mudavam seu comportamento e tornavam-se santos em todo o seu procedimento. Nós, os adolescentes, deixávamos os namoros e os relacionamentos orientados pelos filmes mundanos, e primávamos por ser como José do Egito, que foi puro, ou o apóstolo Paulo, que foi decente. Mas hoje é diferente.



Ainda sou do tempo em que nos vestíamos adequadamente para o culto. Aliás, além do nosso testemunho moral, nós nos identificávamos pelas roupas. Se pentecostais, usávamos roupas sociais bastante formais, e éramos conhecidos aonde quer que íamos, pois ninguém mais se vestia tão formalmente assim em pleno domingo à tarde. Se de outras denominações, como eu, não chegávamos a esse extremo, mas nos trajávamos socialmente, com o melhor que tínhamos, dentro de nossas possibilidades, porque críamos que, se íamos prestar um culto a Deus, a ocasião nos exigia o melhor, e buscávamos dar o melhor para Deus. Era a famosa "roupa de missa", "roupa de igreja". Mesmo pobres, tínhamos o melhor para Deus. E sempre algo decente: camisas sociais, calças bem passadas, um sapato melhor conservado, um blaizer ou uma blusa bem alinhada. As mulheres usavam seus melhores vestidos, suas melhores saias e seus conjuntos mais femininos. Mas hoje é diferente.


Ainda sou do tempo em que nossos hinos falavam de Cristo e da salvação. Cantávamos muito, e nossas músicas não eram tão complexas como as de hoje. Mas todos acabávamos por decorá-las. Suas mensagens eram simples e evangelísticas: "foi na cruz, foi na cruz", "andam procurando a razão de viver"; "Porque Ele vive, posso crer no amanhã", "Feliz serás, jamais verás tua vida em pranto se findar", "O Senhor da ceifa está chamando"; "Jesus, Senhor, me achego a ti", "Santo Espírito, enche a minha vida", "Foi Cristo quem me salvou, quebrou as cadeias e me libertou", etc. Não copiávamos os "hits" estrangeiros, ou as danças mundanas, mas buscávamos algo clássico, alegre, porém, solene. E dançar o louvor? Jamais! Não ousávamos, nem queríamos; nunca soubéramos que o louvor era "dançante"; as danças deixamos em nossas velhas vidas mundanas. Porém, mesmo não as tendo, éramos alegres e motivados. Mas hoje é diferente.



Ainda sou do tempo em que as denominações e igrejas tinham personalidade. As denominações eram poucas e bastante homogêneas. Sabíamos que a Assembléia de Deus era pentecostal e usava indumentária formal; os presbiterianos eram os melhores coristas que existiam; os adventistas tinham uma fé estranha, numa profetiza semi-contemporânea, mas tinham os melhores quartetos masculinos; os melhores solistas eram batistas, etc. Nossas liturgias eram bastante diferentes: os conservadores eram formais, seus cultos silenciosos, enquanto um orava, os outros diziam amém. Já os pentecostais oravam todos ao mesmo tempo e cantavam a Harpa Cristã. Nós nos considerávamos irmãos, não há dúvida. Mas tínhamos personalidade. Hoje tudo é diferente.


E eu não sou velho! Isso tudo não tem 26 anos ainda! Na década de 80 ser crente era ser assim! Meu Deus, como o mundo mudou! Como a chamada Igreja Evangélica se deteriorou! Hoje eu sinto vergonha de ser considerado evangélico!


Hoje é moda ser crente, ou melhor, "gospel". Você é artista pornò, mas é crente. Você é do forró pé-de-serra, mas é crente. Você é ladrão, mas é crente. Você é homossexual assumido, mas é crente. Não importa a profissão, o comportamento, a moral, a índole, ser crente é apenas um detalhe. Aliás, dá cartaz ser crente: hoje muitos cantores "viram crentes" pra vender seus cds encalhados, pois o "povo de Deus" compra qualquer coisa. Não há diferença entre o santo e o profano, o consagrado e o amaldiçoado, o lícito e o proibido, o justo e o injusto. Qualquer coisa serve. O púlpito pode ser uma prancha de surf, uma cama de motel ou um palanque eleitoral; a forma não importa. Ser crente é apenas um detalhe, uma simples nomencalatura religiosa.


Criamos nossos próprios símbolos, nossos próprios estigmas e nossas próprias tribos. Hoje há denominações que dão opções de símbolos para que seus jovens se tatuem. O "piercing" deixou de ser pecado, e passou a ser "fashion", e está pendurado na pele flácida de roqueiros evangélicos e "levitas" das igrejas, maculando a pureza de um corpo dedicado ao Deus libertador. Mulheres há que enchem seus umbigos e outras partes de pequenas ferragens, repletas de vaidade e erotismo mundano, destruindo, assim, qualquer padrão cristão de consagração corporal. Meninos tingem seus cabelos de laranja, e mocinhas destróem seus rostos com produtos, pois agora todo mundo faz, e "Deus não olha a aparência". (Ainda bem, pois se olhasse, teria ânsia de vômito...)



Hoje ir à igreja é como ir ao mercado ou às barracas de feira e de artesanato: um evento efêmero, informal, meramente turístico. Não há mais cuidado algum no trajo cultuante. Rapazes vão de bermudas, calções (e, pasmem os senhores, de sungas!), até sem camisa, porque Deus não é "bitolado, babaca ou retrógrado". Garotas usam suas minissaias dos "rebeldes" e exibem umbigos cheios de "piercings", estrelinhas e purpurinas pingando dos cabelos e roupas, numa passarela contínua do modismo eclesiástico. Se alguém ainda vai modestamente ao culto, seja jovem, seja velho, ou é "novo convertido", ou é "beato". É típico encontrarmos pastores dizendo aos "engravatados": "pra que isso, irmão? Vai fazer exame laboratorial?" E, continuamente, vão demolindo qualquer alicerce de reverência e solenidade para o ato do culto.



Hoje as nossas músicas pouco falam de Cristo. Somos bitolados por um amontoado de "glórias", "aleluias", "no trono", "te exaltamos", "o teu poder", etc. Misturamos essas expressões, colocamos uma pitada de emoções, imitamos os ícones dos megaeventos de louvores, e gravamos o nosso próprio cd, que, de diferente, tem a capa e o timbre de algumas vozes, talvez alguns instrumentos, mas, no mais, não passam de cópias das cópias das cópias. E Jesus? Ah, quase nunca o mencionamos, e, quando o fazemos, não apresentamos qualquer noção do que Ele é ou representa para o nosso louvor. Não falamos mais que Ele é o caminho, a verdade e avida, não o apresentamos como Senhor e Salvador, não informamos ao ouvinte o que se deve fazer para tê-lo no coração, apenas citamos seu nome ou dizemos um aleluia para ele.



Hoje, entrar em uma igreja é como ter entrado em todas: é tudo igual. O mesmo sistema, as mesmas cantorias, a seqüência de eventos, os rituais emocionais, as pregações da prosperidade, de libertação de maldições ou de megassonhos "de Deus" (como se Deus precisasse sonhar, como se fosse impotente ou dependente da vontade humana). Transformamos nossas igrejas em filiais de uma matriz que não sabemos nem aonde fica, mas que se representa nas comunidades da moda. Não há mais corais, não há mais solistas, não há mais escolas dominicais fortes, não há mais denominações com características sólidas, não há mais nada. Tudo é a mesma coisa: uma hora e meia de "louvor", meia hora de "ofertas" e quinze minutos de "pregação", ou meia hora de "palavra profética e apostólica". Que desgraça!



Hoje trouxemos os ídolos de volta aos templos: são castiçais, bandeiras de Israel, candelabros, reproduções de peças do tabernáculo do velho testamento, bugigangas e quinquilharias que vendemos, similares aos escapulários católicos que tanto criticávamos. Hoje não nos atemos a uma cruz sem Cristo, simbólica apenas. Hoje temos anjinhos, Moisés abrindo o Mar Vermelho, Cristo no sermão da Montanha. O que nos falta ainda? Nossas bíblias, para serem boas, têm que ser do "Pastor fulano", com dicas de moda, culinária, negócios e guia turístico. Hoje temos bíblias para mulheres, para homens, para crianças, para jovens, para velhos, só falta inventarmos a bíblia gay, a bíblia erótica, a bíblia do ladrão, a bíblia do desviado. Bíblias puras não prestam mais. E, mesmo tendo essas bíblias direcionadas, QUASE NINGUÉM AS LÊ! Trazemos rosas para consagrar, rosas murchas para abençoar e virar incenso em casa, sal groso para purificar, arruda para encantar, folhas de oliveira de Israel e água do Rio Jordão (Tietê?) para abençoar, vara de Arão, de Moisés, e sabe lá de quem mais! Voltamos às origens idólatras! Parece o povo de Israel, que, ao morrer um rei justo, emporcalhavam o país com suas idolatrias e prostitutas cultuais. E se alguém ousa ser autêntico, é taxado de retrógrado. Com isso, surgem os terríveis fundamentalistas, que abominam tudo, ou os neopentecostais, que são capazes de transformar a igreja num circo, fazendo o povo rir sem parar ou grunir como animais.



Meu Deus, o que será daqui há alguns anos? Será que teremos que inventar um nome novo para ser evangélico à moda antiga? Parece que batista, assembleiano, presbiteriano, luterano ou metodista não define muita coisa mais! Será que ainda haverá púlpitos que prestem, pastores que pastoreiem, louvores que louvem a Deus? Será que seremos obrigados a usar "piercing" para nos filiarmos a alguma igreja? Será que nossos cultos serão naturistas? Será que ainda haverá Deus em nosso sistema religioso?


É CLARO QUE HÁ EXCEÇÕES! E eu bendigo a Deus porque tenho lutado para ser uma dessas exceções. É claro que o meu querido leitor, pastor, louvador, membro de igreja, missionário, também tem buscado ser exceção. Mas eu não podia deixar de denunciar essa bagunça toda, esse frenesi maligno, esse fogo estranho no altar de Deus! Quando vejo colegas cuspindo no povo, para abençoá-los, quando vejo pastores dizendo ao Espírito Santo "pega! pega! pega!", como se fosse um cachorrinho, quando vejo pastores arrancando miúdos de boi da barriga dos incautos doentes que a eles se submetem, quando vejo um evangelho podre arrastando milhões, quando vejo colegas cobrando dez mil reais mais o hotel, ou metade da oferta da noite, para pregar o evangelho, então eu me humilho diante de Deus, e digo: "Senhor, me proteje, não me deixa ser assim!"


Que Deus tenha piedade de nós.
11 de outubro de 2006

 
Pr. Wagner Antonio de Araújo
Igreja Batista Boas Novas de Osasco, SP

** Desabafo ATUALIZADISSÍMO!!!